Moda e periferia?
- Greice Reis
- Nov 7, 2017
- 3 min read

Ainda lembro daquelas revoluções internas que me assolavam vez ou outra e que queriam aflorar de dentro para fora!
Lembro de ficar horas olhando para o guarda roupa e pensando no tanto de coisa que não era para estar ali, no quanto eu queria entender minhas transformações e mostrar para quem quisesse ver meu verdadeiro Ser…
Nasci e cresci em uma periferia, na zona sul de Porto Alegre, RS.
Como tantas gurias ( le-se meninas para o resto do país) eu tinha uma avalanche em potência guardada no peito.
Acordava todos os dias com a nítida sensação de algo grandioso que precisava ser feito. Feito por mim!
A realidade de uma periferia é em muitas aspectos difícil, triste, e mal compreendida.
Mas existe algo de genial em levantar às 6:45 para as 7:30 estar em uma condução que vai te levar ao centro da cidade para escola, trabalho, vida…
A Genialidade está na força motora que nos move até a fila quilométrica do ponto de ônibus.
Esta nos minutos em que mal temos, mas às vezes não abrimos mão de pegar aquele batom da Avon que deixa nosso percurso um pouco mais colorido.
A genialidade da realidade na periferia está na capacidade de Resiliência de um povo que mal tem tempo para velar suas perdas.
Tem força e graça. Entre o cansaço matinal e conversa fiada bem humorada dentro do ônibus com amigos, irmãos das quase mesmas lutas!
Lembro como se fosse hoje do enorme contraste que encontrava entre minha realidade e as matérias da Criativa (antiga Glamour) e as moças dos poucos blogs de moda que estavam nascendo e que eu devorava diligentemente...
Este contraste por algum tempo me entristeceu, me fez perder as esperanças de falar em moda, fazer moda. Tamanha falta de representatividade.
Até que entrei para universidade! Todos os dias enquanto me arrumava fazia composições que carregavam signos de onde eu vinha, de onde fui criada.
Não a Toa Larguei o Direito. Posto que o prazer maior estava em compor meus figurinos ao invés da expectativa de assistir às aulas em maioria massantes e massivas
Sempre tive um estilo atípico, esquisito, empoderado!
E empoderado para mim era vestirme feliz, independente do ambiente que frequentava.
Desenvolvi ao longo dos anos em que cresci em uma comunidade carente; criatividade, habilidades com costura básica para trocar botões, recortar tecidos, aplicá-los onde bem entendesse.
Passei anos da minha vida aprendendo a construir em cima das dificuldades minha marca, minha identidade.
Adquiri um profundo amor pelo garimpo devido as compras de feirões e brechós de caridade.
Os brechós que hoje são referência da moda vintage e de garimpo sempre foram alternativa corriqueira para a população pobre no Brasil. Nenhuma novidade
Pelas Ruas do Bairro artesanatos que transformavam garrafa pet, anéis de latinha e jornal em bolsas. Estas artesãs Já praticavam moda sustentável antes mesmo do termo ganhar status Intelectual
Esta luta diária em sobreviver e VIVER nas horas vagas, de forma mágica, pra ver se a angústia de não estar fazendo coisas gigantes passava, efervescia e se transformava em pura arte de rua, DE PERIFERIA!
Além do manejo criativo, do rebolado em transformar lixo em moda nasceu ali na Restinga minha capacidade de me auto afirmar, usar o que me der na telha.
No bairro a gente nao cria INVENTA MODA. Essa guria vive inventando moda! Agora deu para andar de calça virada e usar chinelos com meias!
Ali, na capacidade de sair do portão para fora com uma linguagem de EU VISTO O QUE QUISER em forma de roupa do avesso, Nasceu em mim o poder, a capacidade de poder INVENTAR MODA.
Hoje INVENTO que sou e SOU DE PROPÓSITO!
A moda, o estilo estão para muito além das capas de revista!
Eu vejo isso tudo vivo em cores quando olho para os barrancos e barracos, para o morro.
Mal amanheceu e a favela pulsa em uníssono.
São os corações potências prestes a explodir e COLORIR TODO o seu comum mundo preto e branco!
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