Ela Não tem porte de Miss!
- Greice Reis. Texto
- Nov 19, 2017
- 5 min read

Estamos em época de Miss Universo 2017.
Mais uma vez Seremos representados por uma miss Negra! Monalysa Alcantara Substitui Raissa Santana Miss Brasil 2016.
Monalysa na etapa final de seu coroamento como miss Brasil disputou a posição com Juliana Mueller Miss Rio Grande do Sul.
Não faltaram críticas contra a escolha dos jurados em coroar A Miss Piauí ao invés de a miss Rio Grande do Sul. Os insultos foram diversos, dos mais variados, mas entre os mascarados, grosseiros, e dissimulados um em especial me chamou atenção: Ela não tem porte de Miss!
Diante da fotografia de Monalyza e Juliana, li esta sentença: ELA NÃO TEM PORTE DE MISS COMO A JULIANA!
Fiquei por alguns minutos contemplando as fotos de ambas, maquiadas, em trajes elegantes, brilho, poses…
Mais alguns minutos em silêncio a observar, a procura da réplica, uma resposta. Procurava minha resposta a altura para calar tamanho preconceito enrustido, o ponto que contrasta-se até meus próprios pensamentos. Procurava a prova cabal de que estavam errados!
Acabei por me surpreender contrariada de que SIM! Monalysa NÃO tem porte de Miss!
Monalysa é negra, mais precisamente a Terceira Negra eleita Miss Brasil em 63 anos de concurso. O que significa que de 63 mulheres eleitas Miss Brasil ao longo da história do concurso, apenas 3 delas eram negras. Isso em um país cujo o índice de população negra atinge a marca de 54%.
O Primeiro concurso oficial de Miss Brasil data de 1954. Em 1986, Trinta e dois anos após sua abertura é Eleita Deise Nunes a Primeira Miss Brasil Negra . Passados mais Trinta anos, como Miss Brasil 2016 Raissa Santana é Eleita. Este ano como Terceira Negra eleita Miss Brasil 2017 temos Monalysa Alcantara.
Estas datas, números e fatos são mais do que somas e algoritmos. Informações como estas servem constantemente de base e fundamento para inúmeras análises sociológicas e culturais de fenômenos socias, comportamento, relações…
Somos desde o momento que nascemos influenciados por comportamento histórico/social, por mídias, meios de controles institucionalizados entre tantas outras formas de construção de identidade, comunidade e padrões dos mais variados.
A construção de nossos “ideias”, das regras de conduta e noção de moral é social e totalmente fundada e influenciada pelo meio, pela massa e pelas grandes mídias. E isso não seria diferente no tocante ao belo, ao aceitável, ao puro, ao imperial, ao PORTE DE MISS...
Acontece que infelizmente enquanto olho para o mundo, para os objetos e para as pessoas eu instantaneamente ativo minha memória sensitiva, audio-visual, eu aciono de forma quase que instintiva toda a minha herança que me foi imposta, entregue e aceita sem que eu nem ao menos tivesse verdadeiramente acordada para escolher a recusa. Não penso nos numeros, nos fatos, muito menos na construção de ideias imposta a mim. Construção que serve de base aos meus julgamentos enquanto olho para o mundo e os seres. Eu só olho e digo, mesmo que vencida; Monalysa realmente não tem porte de Miss.
E isso se deve a fatos, a nossa história, nossa Herança.
Religiosamente toda uma vida eu engoli guela abaixo todas as porções feitas para mim por mãos que não as minhas. Eu recebi colheradas todos os domingos com a garota fantástico, extras doses dominicais todas as tarde com faustão e suas majoritariamente Bailarinas Brancas, com desfiles, com Giseles, com as paquitas da xuxa, em gerações de miss Brasil e garotas verão!
Lá estavam as Julianas. Eu não estava Lá! Eu Moreninha de cabelo cacheado, Negra de cabelo afro, eu de traços grossos, eu de lábios extremamente carnudos, de cabelos cheios, de pele preta retinta.
Não estávamos lá! Eu moreninha sem sal, misógina, mestiça. Nem eu nem Monalysa estamos na memória do que é ter PORTE DE MISS!
Quando olho para Monalysa não reconheço a altivez, o ideal de majestade, a finess. Quando olho para ela não vejo Miss alguma, ao contrário eu vejo o avesso, eu vejo a mim.
Monalysa diferente de Juliana não representa o ideal fiel de 60 Miss Brasil que passaram desfilando pela história e moram na memória de uma sociedade viva, atenta e pronta a apontar o dedo quando não se reconhece, quando não está sendo representada, quando sente assim como eu que algo está fora do lugar. Reconheço, também sinto algum estranhamento...
Eu moreninha, baixinha do cabelo cacheado não estou acostumada a me ver fora do contexto
Ainda quando o título é “a moreninha”, aquela altiva, de pele claríssima que se deixava entre as negras da senzala, aquela moreninha de Joaquim manuel de Macedo, não era eu.
Não sou a morena dos cabelos lisos que cavalga nas cantigas da minha terra, terra conhecida pelas mulheres lindas, mulher gaúcha. Não tenho porte da prenda. Não tenho fenótipo europeu...
Não estou, não estamos acostumadas a nos ver
Olho novamente para imagem de Monalysa e sinto urgência em escutar sua voz
Abro um video
Uma pergunta para ela: Como Pretende se destacar das demais concorrentes caso seja eleita Miss Brasil 2017?
Monaliza Prontamente responde: Eu tenho uma Super Estratégia SER EU MESMA…
Chego a Difícil e feliz conclusão de que, muito embora Nem eu, nem ela, nem tantas de nós tenhamos porte de miss, estamos através de luta e empoderamento mútuo construindo uma nova consciência que mora na certeza que para Além de portes e títulos nos basta ser quem somos! E justamente nestes novos tempos, Exigimos nossa coroa que é nossa, não por sorte, nem porte, mas por luta, labuta diária de Mulher negra que muitas vezes se encontra sozinha em uma sociedade que não nos vê bem quando fora do contexto, não está acostumada a nos ver fora dos limites da cozinha. Posso ouvir os reclames. Como pode ser Miss aquela Negra, Moreninha.
É tempo de ressignificar, portes, coroas e contexto de Rainha!
Tempo de desconstrução de padrões Racistas e elitistas que permeiam em nossas memórias consciente e inconscientemente.
Para tanto é preciso reconhecer privilégios, é preciso não ver com os olhos de quem pensa ter faro apurado para o requinte. Abrir mão de um faro falho e ultrapassado, que foi construído e polido sob a égide de tempos falsamente áureos e injustos.
Enquanto olhamos para Monalysa e procuramos o porte ao qual nossa vã sabedoria está acostumada a ver nesse contexto coroado, não vemos nada além de nosso ego desesperadamente agarrado a trapos velhos que nos consomem. Nada além de ideias enxertos que não produzem nada! Só cegueira elegante e presunçosa...
Portanto não ver em Monalysa um porte de Miss, mais me agrada do que me assusta.
Significa que ela está fazendo brotar um novo tempo.
Tempo de ser o que se é, de andar como se anda
Tempo de cabelos volumosos, traços mils e histórias múltiplas andarem não só nas ruas do morro, da vila, do bairro. Tempo de vários contextos, passarelas, palanques, palcos, escritórios, televisão… Tempo de estarmos dentro ou fora de qualquer contexto e não perdermos a Coroa por isso.
Hoje a coroa é dela, e ela é Monalysa Alcantara, Nordestina, Negra e Miss Brasil 2017.
O porte dela? é ELA MESMA!
Comments